Vamos fazer ginástica?
Não, não é essa dos abdominais, das flexões e cambalhotas, mas sim a outra, aquela que nem todos gostam, porque cansa os neurónios e não melhora a "pinta" a ninguém...
Vamos desenterrar memórias?
Não, não são as das viagens nem as das primeiras paixões, mas sim as outras, aquelas do tempo em que as palavras eram crime e se debatiam entre o medo e o desejo de voar, mas que tal como os pássaros engaiolados, as ideias não acreditavam ainda que tinham asas, nem na força que elas lhes dariam para cruzar os céus e fazerem ouvir ao longe os seus ecos e clamores.
Mas já não são muitos aqueles que ainda se lembram de como nos foi "cortada a raiz ao pensamento" durante quarenta anos, até que numa manhã de cravos vermelhos, nasceu a esperança, soltou-se o eco das palavras, das ideias e ginasticaram-se os neurónios adormecidos, embora houvesse quem não tivesse gostado de tanta euforia, por isso, pouco a pouco, vestiram-nos a Liberdade com outros trajes e tal como antes, a imprensa convertida e bem escolhida, tomou as rédeas da manipulação e o povo achou que ainda era livre, só porque se deixou formatar, adaptando-se ao consumo, ao velho costume de aceitar sem contestação, ao receio de novas ideias e ao velho medo ainda latente que não se desfez de um dia para o outro, porque a surda repressão camuflada e bem montada, é e sempre será, "quem mais ordena".
Os tempos passaram num ápice, adoptaram-se novas regras e outros servilismos, mundo fora, mas ao mesmo tempo, foram-se transpondo tabus, como a homossexualidade, a misoginia, o racismo e tantas outras coisas descabidas para os tempos que correm, mas será mesmo que todos acompanharam estes progressos?
E para além das nossas fronteiras?
A América, depois de ter mostrado a grandeza de Lincoln, ao fazer aprovar a 13ª Emenda à Constituição dos EUA que aboliu a escravatura e mais tarde, dando o direito de voto aos negros, caiu nas dinastias venais e nos jogos de poder que manobram o mundo, manipulando países, destituindo governantes alheios, para impor fantoches corruptos, explorando populações, comandando sem ética nem respeito, chamando a si a liderança do mundo, através de golpadas, com o único fim de enriquecer uns, empobrecendo os restantes, com as suas "boas intenções" fictícias e os crimes que tão afincadamente foram escondendo, nos mais recônditos becos da mais escura perversidade...
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Os 2 principais partidos políticos que se fazem crer divergentes, jogam na mesma roleta, embora variem nos discursos e assim se foi mais uma vez para eleições nos EUA, dando a vitória a um "pato bravo" ordinário que num instante, fez desabar os mais nobres idealismos, para ressuscitar o velho racismo sulista, o machismo exacerbado e como consequência, a xenofobia anteriormente envergonhada e agora pronta para se expor à rédea solta, com o apoio do anteriormente quase secreto Ku Klux Klan...
As novas gerações revoltam-se, sobretudo as mais esclarecidas, bem como as comunidades negras e imigrantes, sem no entanto chegarem para travar esse despertar de velhas tendências fascistas de aprimoramento e superioridade racial, bem como a rejeição de um mundo globalizado e humanista.
Perante este recente retrocesso civilizacional, levantam-se alegremente as ocidentais cabeças saudosistas em França, UK, etc, etc. satisfeitos com as oportunidades que para si mesmos vislumbram e perante o abraço deste revigorado polvo de múltiplos e longos tentáculos, recuperando novas forças e as sombrias ideias de não se considerar cada pessoa como um indivíduo dono dos seus próprios direitos e se culpabilizarem grupos, características raciais e étnicas, bem como opções sexuais e outras, como principais responsáveis por crises e hecatombes económicas, éticas ou morais, com o intuito de agradar a alguns, fazendo-os assim esquecer diversas outras promessas eleitoralistas que distraidamente, cairão no esquecimento.
Trump, tal como Clinton, faz parte do Sistema, mas apenas conseguiu ganhar com maior facilidade, iludindo quem achou que ele simbolizava a ruptura, ou a saída desse paradigma já batido e inaceitável para muitos .
Trump foi também o símbolo de um protesto e como "pior não fica", como disse no Brasil o palhaço Tiririca, o povo atreveu-se a arriscar, embora a vitória de um palhaço, como aconteceu com este bem sucedido bilionário, tivesse sido o inconsequente e leviano voto humorístico de quem não se quis abster, ou daqueles que não quiseram rebaixar-se nem às sondagens, nem à forte pressão mediática. Terá também sido este voto, a escolha dos omissos e daqueles para quem a noção do uso de armas nucleares excita, ou onde os conflitos fora de portas passam ao lado, porque os mortos de outras cores, importam menos que os seus próprios umbigos, ou do que as gerações vindouras e para que não sejam cumpridas as práticas ambientalistas e os acordos assinados anteriormente, com base em sérias evidências científicas que para alguns, são pura especulação, ou a negação dos seus rápidos e vastos recursos especulativos...
Hillary Clinton, não era de todo a candidata da maioria dos americanos, porque no seu passado político de esconderijos e duas faces, suscitava dúvidas e descrença. Os ataques terroristas, a guerra na Síria, a ameaça russa e tantas outras intervenções fora de casa, com ela, faziam antever novos conflitos e mais sangue americano derramado e Trump, que pouco ou nada falou de política externa, prometendo apenas acabar com o terrorismo, com a expulsão de todos os muçulmanos do território nacional, como se isso fosse uma possível solução, enquanto os seus discursos calorosos e alucinados, chegavam facilmente a quem nele quis ver o regresso do velho sonho americano que a ameaça da entrada de refugiados tornava impossível. A ideia da construção de muros, para preservar esse tal afastamento de gentes de outras cores e credos, soou a música, para uma classe média em crise, mas não ignorante da responsabilidade de seus governantes, nesse infindável êxodo massivo e incontrolável.
A preocupação em distinguir migrantes de refugiados, foi a jogada suja e discriminatória, preparada na Convenção de Genebra e seus sucessivos aditamentos e emendas, para se relançar o "Estatuto do Refugiado"que deixa desprotegidos os restantes migrantes, mas que a maior parte dos países mais ricos, como os EUA, não ratificaram, estando por isso libertos, para exercer todo e qualquer acto menos humanitário, bem como a utilização de quaisquer armamentos não convencionais e consequentemente, ainda mais devastadores.
Trump, sentir-se-á, presumivelmente à vontade, para seguir em frente com as suas ideias maquiavélicas, tal como aconteceu a Bush no Iraque e não só; mas se a belicosidade dos Republicanos levou o mundo para o caos e para lutas sangrentas que se prolongaram em seguintes épocas Democratas, Hillary jamais usaria a sua presidência para alterar anteriores regras, já que não teve sequer limites, ao aceitar de braços abertos os financiamentos da Arábia Saudita, fornecedora de armas para o terrorismo, para a sua campanha à presidência.
E assim se prepara a grande viragem dos nossos tempos!
As convulsões sociais, a fome e a guerra, acenam de um horizonte pouco longínquo com a degradação crescente da Natureza e da condição humana, mas não podem, nem poderemos deixar que nos vençam, porque se vão levantando aqui e além, muitas vozes sem mordaça, exigindo novos paradigmas e a derrocada dos obsoletos sistemas que nos esmagam. A velocidade com que todas essas mudanças parecem desenrolar-se, não se anuncia pacífica, como não o foram noutras épocas da história, mas se as próximas gerações puderem emergir num mundo mais igual, derrubando fronteiras, varrendo o lixo da insensatez e emergindo dos escombros, quase terá valido a pena toda a luta, bem como todo o sangue tristemente derramado!