OS DEUSES TAMBÉM SE ENGANAM!
Desde os tempos mais remotos que o homem sente necessidade de antever o futuro e confiar em algo superior a si para o orientar e proteger.
A História é por isso povoada de seres criadores, mágicos e muitas vezes destrutivos que guiam, vingam e consertam, conforme as ocasiões e necessidades.
A dualidade entre o bem e o mal, foi e será sempre, o espelho das lutas interiores travadas pelo nosso consciente.
No conjunto de mitos e lendas que pertencem a diversas civilizações e perante o que nos transmitem, verificamos que essa dualidade continua inalterável nos nossos dias, tal como o era na antiguidade, levando-nos a crer que a alma humana, ao longo dos séculos, apenas se foi enfeitando com novas roupagens, mas pouco ou nada cresceu, em termos de perfeição.
As crenças e religiões sucederam-se, atropelando-se em despotismo e singrando à custa do poder económico e da ingenuidade das gentes.
A história de barbaridades em“defesa da fé", repete-se até à actualidade,em proporções gigantescas e que as novas tecnologias, interesses e sofisticados armamentos, concretizam, dando-lhes uma magnitude de sangue jamais conseguida e imaginada.
As Cruzadas, a Inquisição e actualmente o denominado Estado Islâmico, bem como os conflitos que lhe deram origem, apenas usaram e usam o nome de Deus, para justificar actos bárbaros e próprios de mentes perturbadas e doentes.
Seja qual for o formato divino, nunca o homem encontrará Nele uma verdadeira razão para matar e menos ainda, divinizar-se, destruindo a sua própria criação !
Para exemplo,decidi servi-me da extinta civilização Maia, para quem, a criação do mundo e dos seus primeiros habitantes humanos, nos aparece relatada numa obra escrita, chamada “Popol Vuh”- (livro do Conselho) e que descreve antigos mitos e crenças dos Maias Quichés da Guatemala.
Pare eles, existiam dois grandes deuses: - Gugumatz e Tepeu, ou Furacão.
Ambos resolveram quebrar o silêncio do nada, moldando a Terra e separando-a do céu.
Criaram as águas, as montanhas, as árvores, a vegetação e os animais, com destaque para os jaguares, serpentes, aves e cervos (conhecidos na região).
Após este esforço criativo, sentiram-se descontentes, pois nem as plantas nem os bichos sabiam falar para os poderem conhecer e adorar, por isso, resolveram elaborar outro tipo de criaturas e condenar os animais, a servir-lhes apenas de ajuda e alimento, surgindo então os primeiros homens, moldados do barro, mas cuja vida não foi longa, pois o frágil material de que tinham sido feitos, se derreteu nas águas.
Novamente decepcionados, iniciaram nova empreitada e aconselhados por bruxos e antigos espíritos de animais, talharam homens de madeira, dando-lhes o dom da fala, mas estes novos seres, não tinham memórias, não podendo assim recordar nem louvar os seus criadores, por isso, os dois deuses zangaram-se e castigaram-nos, virando o mundo de cabeça para baixo e gerando uma tal confusão que até os cães se viraram contra os homens de madeira, terminando assim a sua raça!
Numa última tentativa, os dois deuses descobriram que teriam que fazer homens de carne e que esta poderia ser fabricada através do milho.
Os animais, transportaram grandes quantidades deste cereal para auxiliar os deuses na sua nova obra e então, foram feitos quatro seres humanos que foram os fundadores das quatro linhagens dos Maias Quichés.
Estes quatro homens, eram bem constituídos, bondosos e reconhecidos aos seus criadores, mas a inteligência que desenvolveram, assustou Gugumatz e Tepeu que viram neles, forte concorrência e como o ciúme é um sentimento ancestral, decidiram limitar a sabedoria, natureza, poder e compreensão do mundo, colocando-lhes névoas nos olhos para que apenas vissem o que estava na sua frente e criando a mulher, para os distrair e permitir que se multiplicassem.
Quando ficou terminada a criação humana, os deuses deixaram que a luz iluminasse as trevas e assim surgiu a primeira alvorada.
A escuridão e a luz, são mencionadas repetidas vezes em todos os mitos de criação, pois é através da claridade que se vê o mundo e a vida e é o acto de nascer que pela primeira vez, possibilita ao novo ser, enxergar o dia após longa gestação no escuro ventre materno.
De qualquer forma, não é imediata essa percepção da luz, visto a maior parte dos animais, necessitar de algum tempo, para abrir os olhos ou começar a ver, no entanto, esse precioso sentido, é o início de uma aprendizagem que se desenvolverá até ao momento em que seus olhos, se fecharão para a vida terrena, deixando apenas lugar para os do espírito e para uma nova luz de conhecimentos que o mundo terreno obrigará a esquecer...
Esta era a visão dos antigos Maias, cujo comportamento cruel e sanguinário é bem conhecido, mas quantas vezes se terão enganado os deuses de ontem e de hoje e quantas vezes terão pensado nos esboços de gente que criaram e cujas "névoas dos olhos" se foram esbatendo ao longo dos tempos, tornando-os autores e actores principais da sua própria destruição?