sábado, 29 de dezembro de 2018

SUZI

   A Suzi foi mais um exemplo da indiferença, da maldade e do desrespeito pela vida alheia que tão bem caracterizam a espécie humana.


A imagem pode conter: cão

   Apareceu na minha rua, magra, triste, desorientada e faminta em meados de 2012 e só por milagre não foi atropelada.


  Tinha sido entregue a uma idosa com Alzheimer, tão esquecida e abandonada quanto ela e apenas uns brasileiros que habitavam um anexo ali perto, lhe atiravam de vez em quando alguns restos de comida.

   Durante vários dias, tentei ganhar a sua confiança, mas a sua  agressividade era de tal forma evidente que me fazia desistir, até ao dia em que a fome a fez entrar no meu quintal, atrás de um prato de comida e fechei o portão, assim que a vi cá dentro. 

    Era quase impossível fazer-lhe uma festa, mas deu-se bem com os meus cães e isso foi a razão pela qual, achei que talvez com o tempo, ela viesse a confiar em mim e abandonasse aquele olhar triste que o tempo nunca mudou. 

    Mandei-a esterilizar, mas verificámos surpreendidos que após o corte, ela já não tinha órgãos reprodutores e que a cicatriz da anterior cirurgia, era de tal forma imperceptível que não foi sequer notada na hora de a abrirem de novo. 

    Adensava-se o mistério!

    Como e de onde teria vindo a Suzi e qual a razão de tanto medo?  

   Passaram-se alguns meses, até que alguém me contactou, mostrando-me um apelo com uma fotografia da Suzi no "Encontra-me". 


   Afinal havia um tutor preocupado que a procurava e talvez fosse essa a razão pela qual, ela me aceitava com tanta desconfiança!

  Respondi ao apelo, mas novamente a resposta foi insólita. 

  Quem colocou o anuncio, não foi nenhum tutor, mas sim a associação que entregara a Suzi a uma família que lhes pareceu de confiança, mas quando tentaram saber notícias, após várias tentativas sem respostas, souberam finalmente que ela tinha desaparecido.


   Após longa troca de explicações, falsas desculpas e declaradas mentiras dadas pelos adoptantes, decidi que não a entregava a mais ninguém, obtendo de imediato a concordância dos voluntários da associação que depois me relataram como a tinham encontrado na beira de uma estrada, com filhotes há cerca de um ano. 
  Recolheram-nos, cuidaram, deram os bebés e esterilizaram a Maia, nome que lhe tinham dado, até serem enganados por esses adoptantes que a descartaram sem pejo para casa da mãe idosa desse "dono" que não a quis, assim que verificou que ela não lhe servia para a caça.

   Este é o triste destino de grande parte dos cães usados e abusados pelos caçadores, mas se durante alguns meses, a Suzi parecia saudável e apenas evidenciava o medo de qualquer humano que dela se aproximasse, algo muito mais grave escondia, talvez dos tempos em que a terão mantido sem carinho nem condições, condenando-a depois ao abandono e até à morte, como acontece a tantos outros que não encontram quem os tire das ruas e lhes dê o respeito e a confiança que merecem. 


    Uma manhã, quando lhe abri a porta do anexo onde dormia com o amigo Fausto, percebi que estava desorientada, rejeitou a comida e deambulou pelo pátio até perder as forças e cair no chão em sofrimento. 

    Dirigimos-nos de imediato ao hospital veterinário, porque era domingo e ficou internada para exames. Não se percebia o porquê do seu estado que cada vez era mais grave, ao mesmo tempo que se tornava cada vez mais feroz, tentando atacar quem se aproximasse dela e sem me reconhecer. 

    Os veterinários suspeitaram de algo no cérebro que poderia ser muito grave, ou mesmo fatal. 
    Fez- se um tac que indicou uma mancha que sugeria um tumor, mas além disso, havia ainda uma marca no osso do maxilar que poderia ser uma sequela deixada por antigos golpes e maltrato.

    De volta, ao hospital, começou um tratamento difícil à base de cortisona e inesperadamente, ganhou o equilíbrio, voltou a comer bem e a melhorar dia após dia, contudo, a sua revolta e  comportamento agressivo manifestavam-se cada vez de forma mais ameaçadora, tanto para os profissionais que a cuidavam, como para mim, nas visitas diárias que lhe fazia. 


    Finalmente, descartada a possibilidade de um tumor, a hipótese de inflamação nas meninges ganhou força, já que o tratamento tinha sido direccionado para esse fim e ela se mostrava curada, podendo mesmo regressar a casa, sem mais medicação, mas o veterinário tinha receio dela e desse seu comportamento agressivo que dada a sua estatura e força, poderia colocar em risco tanto a nossa integridade física, como a dos outros animais residentes e sugeriu delicadamente a eutanásia, "pelo bem de todos". 

     Passei a noite em claro, mas no dia seguinte, apelei à minha coragem e fui buscá-la sozinha!
    Com todos os cuidados, de açaime, colar e duas trelas atadas a um gancho do carro para que não me atacasse no trajecto mais lento que alguma vez fiz e de olhos plasmados no retrovisor, não fosse ela saltar do banco de trás e atacar-me, chegámos a casa. 
     

    Ao ver o nosso portão, reparei que abanava a cauda pela primeira vez e entrou afoita. 
   Tinha fechado os outros cães anteriormente, mas deixei que o Fausto saísse para a receber. 

    A Suzi estava finalmente em casa, renovada e mais feliz que nunca!   

  Retirei-lhe o colar, soltei-lhe as trelas, deixei-os correr e por fim até o açaime saiu!

  Bem vinda a casa, querida Suzi, porque até as  carícias que sempre me negaste, passaste a  consentir, ao mesmo tempo que me pedes o beijinho de boa noite, plantado na pontinha do teu nariz frio e molhado!

   Tanto a doença, como o internamento ou o mal estar que sentia, despertaram-lhe velhas memórias de abandono, sofrimento e dor, mas tudo afinal lhe serviu definitivamente para que entendesse que jamais eu iria desistir dela e assim, aceitou confiante a nossa casa e a nossa família, como a sua...    


   

          

                 

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